23.12.05

FELIZ NATAL PRA VOCÊS


Feliz Natal

Feliz Natal a quem não planta corvos nas janelas da alma, nem embebe o coração de cicuta e ousa sair pelas ruas a transpirar bom humor..
Feliz Natal a quem cultiva ninhos de pássaros no beiral da utopia e coleciona no espírito as aquarelas do arco-íris.
E a todos que trafegam pelas vias interiores e não temem as curvas abissais da oração. Feliz Natal aos que reverenciam o silêncio como matéria-prima do amor e arrancam das cordas da dor melódicas esperanças.
Também aos que se recostam em leitos de hortênsias e bordam, com os delicados fios dos sentimentos, alfombras de ternura.
Feliz Natal aos que trazem às costas aljavas repletas de relâmpagos, aspiram o perfume da rosa-dos-ventos e levam no peito a saudade do futuro.
Também aos que semeiam indignações, mergulham todas as manhãs nas fontes da verdade e, no labirinto da vida, identificam a porta que os sentimentos não vêem e a razão não alcança. Feliz Natal a todos os que dançam embalados pelos próprios sonhos e nunca dizem sim às artimanhas do desejo. Aos que ignoram o alfabeto da vingança e jamais pisam na armadilha do desamor, pois sabem que o ódio destrói primeiro quem odeia.
Feliz Natal a quem acorda, todas as manhãs, a criança adormecidas em si e, moleque, sai pelas esquinas quebrando convenções que só obrigam a quem carece de convicção. E aos artífices da alegria que, no calor da dúvida, dão linha à manivela da fé.
Feliz Natal a quem recolhe cacos de mágoas pelas ruas a fim de atirá-los no lixo do olvido e guardam, recatados os seus olhos no recanto da sobriedade. A quem se resguarda em câmaras secretas para reaprender a gostar de si e, diante do espelho, se descobre belo na face do próximo.
Feliz Natal a todos aos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da História. E AOS QUE SUPRIMEM A LETRA ERRE DO VERBO ARMAR E SE RECUSAM A SEREM REFÉNS DO PESSIMISMO.
Feliz Natal aos que fazem do estrume adubo de seu canteiro de lírios. Também aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores e aos escritores sem palavras. E a todos que jamais encontram a pessoa a quem declara todo o amor que a fecunda em gravidez inefável.
Feliz Natal aos ébrios de transcendência e aos filhos da misericórdia que dormem acobertados pela compaixão. E a todos os que contemplam ociosos, o entardecer, observando como Menino entra na boca da noite montado em seu monociclo solar.
Feliz Natal a quem não se deixa seduzir pelo perfume das alturas e nem escala os picos em que os abutres chocam ovos. E a todos os que destelham os tetos da ambição e edificam suas casas em torno da cozinha.
Feliz Natal a quem, no leito de núpcias, promove uma despudorada liturgia eucarística, transubstanciando o corpo em copo inundado do vinho embriagador da perca de si no outro. E quem corrige o equívoco do poeta e sabe que o amor não é eterno enquanto dura, mas dura enquanto é terno.
Feliz Natal aos que repartem Deus em fatias de pão e convocam os famélicos à mesa feita com tábuas da justiça e coberta com toalha bordada de cumplicidades.Feliz Natal aos que secam lágrimas no consolo da fé e plantam no chão da vida as sementes do porvir. E aos que criam hipocampos em aquários de mistérios e conhecem a geometria da quadratura do círculo. Feliz Natal a quem embebeda de chocolate na esbórnia pascal da lucidez crítica e não receia pronunciar palavras onde a mentira costura bocas e enjaula consciências. E a todos os que, com o rosto lavado das maquiagens de Narciso, dobram os joelhos à dignidade dos carvoeiros.
Feliz Natal a todos os que sabem voar sem exibir as asas e abrem caminhos com os próprios passos, inebriados pelos ecos de profundas nostalgias. E aos que decifram enigmas sem revelar inconfidências e, nus, abraçam epifanias sob cachoeiras de magnólias.
Feliz Natal aos que saboreiam alvíssaras nos bosques onde vicejam anjos barrocos e nadam suas gorduras deixando os cabelos brancos flutuarem sobre a sociedade de anos bem vividos. E a todos os que dão ouvidos à sinfonia cósmica e, nos salões da Via Láctea, bailam com os astros ao ritmo de siderais incertezas.
Feliz Natal também aos infelizes, aos tíbios e aos pusilânimes, aos que deixam a vida escorrer pelo ralo da mesquinhez e, no calor de seus apegos, vêem seus dias evaporar como orvalho aquecido pelo alvorecer do verão. Queira Deus que renasçam com o Menino que se aconchega em corações desenhados na forma de presépios.

Frei Betto - escritor, é autor de A Noite em que Jesus Nasceu (Vozes), entre outros livros. *Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 13/12/01 .

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Um comentário:

Anônimo disse...

LINDO!!!!FELIZ NATAL A VC TBM!!!

sister...man...DONNA.